quinta-feira, 4 de junho de 2009

“Garapa”

Brasil – Três mulheres do povo.

20080629Garapa

 

"Ele quer morrer; eu não, quero viver", diz Rosa, referindo-se ao marido, uma das três mulheres retratadas no filme Garapa, filmado em 2005 e lançado em Brasília pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), com a presença do diretor do filme, José Padilha, de Chico Menezes, um de seus inspiradores e ex-presidente do CONSEA, conselheiros e convidados do governo e da sociedade.

 

Diz o texto de lançamento: "Garapa é uma mistura de água com açúcar, muitas vezes o único alimento de famílias pobres do Nordeste. Os dramas e flagelos de três dessas famílias brasileiras - uma de Fortaleza, outra de Choró, a terceira do sertão cearense - são mostrados neste que é um dos mais contundentes documentários sobre a fome no país, um soco no estômago, uma denúncia social, mas também um convite à reflexão." No final da exibição, ninguém aplaudiu, diferente do normal de estréias, onde o público mostra com palmas o agrado (ou desagrado) do filme. Desta vez não. Silêncio absoluto, nenhum murmúrio, nenhuma palavra.

 

A câmera, em dado momento, caminha lentamente, quase para sobre o que uma das mães diz serem ‘as perebas’ das suas crianças, pernas e braços, até rosto, cheio de feridas por onde passeiam as moscas, elas deitadas no chão duro, no meio da terra e da poeira. Dá vontade de desviar o olhar. Pensei comigo mais de uma vez: Quando será que não precisarei mais olhar uma cena assim no meu país, na minha terra, na minha pátria, se Josué de Castro, em Geografia da Fome,  descrevia os mesmos problemas há cinco décadas, ou Graciliano Ramos escrevia Vidas Secas, tão bem transformado em imagens por Nelson Pereira dos Santos?

 

De nome elas são Rosa, Robertina e Lúcia, as três mulheres do povo que escancaram suas vidas e seu cotidiano, seus filhos, seus maridos, sua casa, sua tristeza e sua luta. Seja na cidade grande, seja na pequena, ou então no sertão nordestino, a ‘fartura’ é a mesma: falta comida, falta trabalho, falta remédio, falta conhecimento. Mas não falta esperança: quando Rosa diz que, ao contrário do marido, quer é viver, significa  que há vida, que há olhar para o futuro; quando Lúcia pega os três filhos, entra no ônibus, vai nas casas da cidade buscar ajutório, ou vai para o posto de saúde pesar os filhos e receber orientação; quando uma delas não sabe a idade que tem por não ter documento, achando que tem menos de 30 anos, e acaba chorando por não conseguir dar alimento suficiente para os filhos.

 

Os homens mal aparecem, ou desaparecem. Um gosta de beber e de xingar a mulher. Outro, de vez em quando, pega na enxada para capinar o chão duro e seco. Outro, quando a mulher pede, vai encher os tonéis de água em cima de um jegue num açude sujo. Outro senta-se, olhar triste e perdido, sobre o muro da varanda, enquanto a mulher faz comida, cuida dos filhos, busca leite no mercado, que acabou não vindo porque a pessoa encarregada não apareceu. Sobra, como diz uma delas, preparar uma garapinha, dar para as crianças e assim enganar a fome e a dor na barriga.

 

No debate, José Padilha diz que em país regido pelas regras da razão, a miséria é uma vergonha; em país não regido, a riqueza é uma vergonha. Segundo ele, o Brasil não é regido pelas regras da razão. E elogia o Fome Zero, o Bolsa Família e as políticas sociais do governo Lula, porque permitem o primeiro passo para o fim da miséria e da fome no rumo da cidadania: "Historicamente, via inflação e outras formas de rentismo, transferiam-se os ganhos, e os votos, para os mais ricos e as elites. Hoje quando há transferência de renda  para os mais pobres, natural que, por reconhecimento,  transfiram-se também os votos." (grifamos)

 

Por isso, e o filme pretende contribuir para tanto, é fundamental aprovar a PEC 047/2003, emenda constitucional em votação no Congresso que prevê a inclusão da alimentação como um dos direitos fundamentais no Artigo 6º da Constituição. Uma campanha, Alimentação: Direito de Todos, está desencadeada em todo Brasil, de sensibilização dos deputados federais e senadores para sua aprovação. (grifamos)

 

Rosa, Robertina e Lúcia são as mulheres do Brasil: lutadoras, responsáveis, mães, provedoras da casa e da família, as que não se entregam nunca, as que nunca desistem, as que, sobretudo, amam e cuidam de seus filhos. Vivem na pobreza, porque não há, ainda, outro jeito, não encontraram uma maneira de dela sair. Mas acreditam que seus filhos, quem sabe, viverão tempos melhores.

 

Garapa é um filme difícil de assistir, ainda mais no século XXI e num país como o Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Mas mostra também que, se este é um povo sofrido, se as mães, mulheres (e homens) que se mostram inteiras muitas vezes só têm garapa para dar a seus filhos, por outro lado e ao mesmo tempo, a reflexão sobre a fome, a miséria, a exclusão social e a quase eterna má distribuição de renda, mais a luta contra todo tipo de desigualdade, por justiça e políticas sociais e públicas de governos sinalizam esperança. Como diz Rosa, num grito de vida e urgência, eu não quero morrer, eu quero viver. Aí estão a dignidade, a resistência das mulheres do povo, a fé em si mesmas e no futuro.

 

Selvino Heck *

* Assessor Especial do Presidente do Brasil

Fonte: Adital

 

Elogiar o Fome Zero, o Bolsa Família, dentre outras políticas sociais pertinentes ao texto ora abordado? Não me iludo. Quisera ver essas, dentre outras medidas pertinentes ao texto dando certo,atingindo seu real objetivo. Sabemos e vemos que não é isso que ocorre, pois na realidade a finalidade dessas políticas tem “pairado” noutros locais e quem deveria receber não recebe, não consegue receber. O objetivo não atinge a sua finalidade, em grande parte.

E quanto ao PEC, “por acaso a inclusaõ da alimetação como um dos direitos fundamentais no art. 6 da CF " não deveria estar incluso (subentendido) no Caput do art. 5 da CF, onde consta “…inviolabilidade do direito à vida.” ? Por acaso alguém consegue VIVER SEM alimentação?

Aos bacharéis em direito, gostaria de deixar claro que não estou interpretando a lei. No entanto, gostaria de deixar mais claro ainda que estou dando um grito de socorro aos absurdos constantes na mesma. O direito à vida existe, antes de qualquer um querer se apossar do que é de todos, desde antes da criação do mundo. O que me parece é uma tentativa ilusória e muito mal feita de querer tapar o sol com a peneira.

Um comentário:

Marinilce disse...

Acrescento que nas duas vezes que fui roubada (duas vezes em 06 meses), roubaram comida também.