O carnaval do Brasil tem marca registrada. Nenhum outro país faz igual. Onde querem imitar, só conseguem arremedos sem ritmo e sem graça.
O carnaval se torna, assim, manifestação típica e profunda da identidade do povo brasileiro. As escolas de samba do Rio, o frevo de Recife, ou o carnaval da Bahia, não fazem só coreografias e movimentos que revelam a agilidade e o encanto físico das pessoas. Junto com a beleza do corpo, o carnaval revela a riqueza da alma brasileira.
Não se entende o carnaval brasileiro, sem levar em conta a peculiar composição étnica do povo brasileiro. Ela é fruto de um longo e complexo processo de integração racial, feito muitas vezes ao arrepio da ética, mas que resultou numa surpreendente realidade humana e cultural, que constitui, sem sombra de dúvida, a riqueza maior deste país.
O Brasil tem um testemunho a dar ao mundo, de vivência harmônica da diversidade, de integração das raças e das culturas, e da fusão dos contrastes em novas expressões de vida.
No fórum das migrações, realizado na Espanha no ano passado, o sociólogo francês Samir Nair surpreendeu a todos, ao afirmar que nenhuma solução dada aos migrantes é adequada, a não ser que se realize a "solução brasileira".
Alguns países chegam a tolerar a diversidade racial, e a reconhecê-la. Mas permanece a separação. Ao passo que no Brasil se realizou uma profunda miscigenação racial, como nenhum outro país realizou. Esta seria a "solução brasileira", proposta pelo sociólogo francês.
Para entender o carnaval brasileiro, é preciso ter presente o longo itinerário de integração racial, que resultou no povo brasileiro que agora somos. A miscigenação fez parte da colonização portuguesa, iniciou com o componente indígena, se aprofundou com a participação africana, e continuou com a chegada dos migrantes, sobretudo europeus, mas também asiáticos.
A contribuição mais sutil, e mais difícil de mensurar, é a indígena. Ela foi simbolizada claramente num episódio, que ainda hoje espelha seu propósito e sua consistência. Em 1531 a coroa portuguesa resolveu povoar o Brasil. Enviou uma esquadra de cinco navios, comandada por Martin de Souza, trazendo 400 homens, e nenhuma mulher. A intenção era evidente. As mulheres seriam encontradas aqui, entre as indígenas.
Estava lançada a fórmula do povo brasileiro. A contribuição indígena não se limitou ao sangue que passou a circular nos mamelucos. Foi muito mais profunda e sutil. A casa passou a ter duas partes bem distintas. Na sala se falava português e se cultivava a consciência de pertença à coroa. Na cozinha se transmitiam os valores culturais indígenas, expressos não só nas comidas típicas destes trópicos, mas também nos sentimentos religiosos e na cosmovisão própria dos povos nativos.
Com a chegada posterior dos três milhões de escravos e escravas, o processo de miscigenação ficou mais explícito e mais evidente, com repercussões raciais e culturais mais duradouras e decisivas.
Este processo se acentuou com a chegada dos migrantes de outros países, sobretudo no final do século 19.
Pois bem, é no contexto desta complexa e diversificada composição ética que precisamos situar o carnaval, se queremos nos dar conta de sua consistência humana e cultural. O mundo se encanta com sua beleza exterior e sua manifestação episódica.
O grande desafio do povo brasileiro é não ficar só na exterioridade do carnaval. A experiência única de sua profunda miscigenação racial, se constitui em precioso testemunho de abertura, de tolerância, de convivência fraterna, de alegria de viver, que precisa se traduzir em justiça social e em respeito à dignidade da pessoa humana.
O povo brasileiro não pode limitar ao carnaval a afirmação de sua identidade. Ele precisa traduzi-la na efetiva realização da democracia econômica e social.
O carnaval, breve e fugaz, precisa ser complementado pela quaresma, longa e consistente, feita da busca de valores autênticos e perenes.
Fonte: Adital
Dom Demétrio Valentini *
* Bispo de Jales, São Paulo.
“A Fraternidade: Através de um fratricídio, a fraternidade é rompida (Gn4, 1-16), desvirtuando o projeto de Deus para os homens. Com isso abrem-se as portas para vingança sem fim ( 4, 17-24), a dominação (6, 1-4), a desconfiança (12, 10-20; cf.20, 1-18), a falta de hospitalidade (19, 1-29), a concorrência desleal (25, 20-34), que gera o medo do irmão (32, 4-22), a exploração e a escravidão (31, 1-42; 37, 12-36). Para essa humanidade ferida Deus propõe a restauração da fraternidade através de uma comunidade que será bênção para todos os povos (12, 1-3). Desse modo, o homem deixará de ser egoísta (13, 1-18), aprenderá a perdoar (18, 16-33; 33, 1-11) e a deixar suas próprias seguranças (22, 1-19) para viver de novo a fraternidade (45, 1-15). Só assim os oprimidos poderão lutar contra a exploração e opressão, formando uma sociedade justa, na qual haja liberdade e vida para todos (livro do Êxodo).” (grifo nosso)
Podemos observar como este texto do livro do Êxodo expõe claramente a raiz da violência, através de tudo o que nele foi exposto: o rompimento fraterno, a vingança, a dominação, a concorrência desleal, a exploração e a escravidão.
Isso é fato nos dias de hoje. Não precisamos ir longe para observar estes acontecimentos. Não precisamos assistir tv, ler manchetes de jornais e revistas, acessar as notícias na internet ou via rádio para saber que tudo isso é fato. Não quero dizer que isso não seja importante e necessário para nos manter “antenados” e atualizados. Apenas aponto que estes acontecimentos fazem parte do nosso dia a dia e estão ao nosso redor, a olhos vistos. Daí a importância da escuta ativa e vivente da Palavra, diariamente, nas instituições que fazemos parte, no trabalho, na família, nas escolas e universidades, na sociedade, pois somente através dela – PALAVRA ATIVA - e repletos do Espírito Santo, receberemos a sabedoria e os outros dons necessários à vivência da graça, que é a vivência de novo da fraternidade criada e almejada por Jesus.
Foi para mim providencial a leitura deste texto, ao abrir as Sagradas Escrituras neste momento, pois iria viajar hoje à tarde e, como o trânsito está um caos no RJ, resolvemos deixar para amanhã, de manhã.
Percebi a íntima ligação deste texto do livro do Êxodo com o tema da Campanha da Fraternidade deste ano de 2009 (A Paz é Fruto da Justiça), que todos nós Cristãos, somos convidados a estudar e meditar , a partir da Quaresma, que se iniciará na próxima quarta-feira de cinzas. Esta experiência e vivência nos fortalecerá nas dificuldades e nos dará a sabedoria e o discernimento necessários que cada um de nós precisa para a vivência de nossa vocação.
Paz e Bem.